Houve tempo em que brasileiro não podia desenhar carros. Os projetos das multinacionais vinham prontos do exterior. Mineiro de Belo Horizonte, Márcio Lima Piancastelli não estava nem aí para essas regras. Nascido em 1936, já rabiscava uns carrinhos na época da escola. Depois, passou a criar móveis para a fábrica do pai.
Em 1962, ao 26 anos, bolou o cupê Itapuan para participar do Prêmio Lucio Meira, um concurso de design que tinha como jurados ninguém menos do que Giuseppe Farina, Luigi Segre, Mario Fissore e Brooks Stevens. Tirou segundo lugar e ganhou uma bolsa de estudos para passar mais de um ano no ateliê Ghia em Turim. Largou as coisas por aqui e desistiu de prestar vestibular para aquitetura.
Na volta, foi contratado pela Willys-Overland do Brasil, que estava desenvolvendo o "Projeto M", coordenado por José Maria Ramis Melquizo, Roberto Araújo e Valter Brito. Era um sedã médio baseado numa inédita plataforma da Renault - a mesma que daria origem ao Renault 12 na França.
Em 1967, a Ford comprou a Willys e o "Projeto M" acabou por se tornar um dos carros de maior êxito na história do Brasil: o Corcel. Mas Piancastelli preferiu tomar o rumo da Volkswagen.
Inicialmente, não havia muito o que fazer já que Friedrich Schultz-Wenk (presidente da VW do Brasil entre 1953 e 1969) era adepto de trazer tudo pronto de fora. Com a morte de Schultz-Wenk, assumiu o cargo Rudolf Leiding, um alemão mais aberto a inovações. Começaria aí a fase de ouro de Piancastelli no design brasieliro.
O serviço começou com mudanças radicais no projeto original do TL alemão. Ao lado do colega Jota (José Vicente Novita Martins), Piancastelli modificou a traseira de uma Variant e criou formas adotadas apenas no Brasil.
O serviço começou com mudanças radicais no projeto original do TL alemão. Ao lado do colega Jota (José Vicente Novita Martins), Piancastelli modificou a traseira de uma Variant e criou formas adotadas apenas no Brasil.
Mas a cultura de importar desenhos ainda prevalecia entre as grandes fabricantes de automóveis. Quando quis fazer um substituto para o clássico Karmann-Ghia, a Volkswagen trouxe da Europa o projeto do TC - carro que nunca conseguiu fazer frente ao brasileiríssimo Puma (obra de Rino Malzoni).
Inconformado, Piancastelli começou a trabalhar em um cupê mais arrojado: o SP. Era um carro baixinho, com grande área envidraçada e traços muito modernos para a época. A ideia recebeu carta branca de Rudolf Leiding, presidente da VW do Brasil, e foi adiante.
Lançado em 1972, o modelo tinha lá seus problemas. Foi apresentado em duas versões: SP-1 (com motor 1.600) e SP-2 (com motor 1.700). A primeira era tão lenta que morreu no nascimento, mas disso Piancastelli não tinha culpa, já que cuidava apenas do estilo. Outro ponto contra era o calor que fazia na cabine, dado que o para-brisa era muito inclinado. De toda forma, o SP-2 chegou a ser chamado de "o Volkswagen mais bonito do mundo".
Mas o grande sucesso viria depois: a VW Brasilia. que chegou às concessionárias em 1973. A proposta de Leiding era criar um carro mais espaçoso, iluminado e arejado a partir da robusta plataforma do Fusca - na época, a mecânica dominante na Volkswagen do Brasil.
Graças a Piancastelli, a velha mecânica do besouro ganhou roupa nova. Os para-lamas rechonchudos e os pré-históricos estribos sumiram, incorporando espaço a uma carroceria de linhas retas, num conceito de carro pequeno por fora e grande por dentro que vinha do inglês Mini.
A Brasilia teve 950 mil unidades vendidas no Brasil e 180 mil no exterior. Mas quando viajava com a família para Belo Horizonte, Piancastelli percebia o quanto o motor traseiro (praticamente dentro da cabine) era ruidoso. Chegou a desenhar uma Brasilia II com motor dianteiro mas, a essa época, a Volks já tinha outros planos.
No tanto que os alemães permitiram, Piancastelli contribuiu também para o projeto automobilístico de maior êxito no Brasil: a criação da família BX, formada por Gol, Parati, Voyage e Saveiro. Deixou a Volkswagen e as atividades automobilísticas em 1992 - a essa altura, já havia participado também dos projetos do novo Santana (1991), do Logus, do Pointer e do Gol "Bolinha".
Passou, então, a desenhar eletrodomésticos. Em seus últimos anos de vida, o genial criador teve seu trabalho reconhecido. Não raro, participava de reuniões de colecionadores e atendia a pedidos para autografar carrocerias dos automóveis de sua lavra. Na Alemanha, o SP-2 passou a ter lugar de destaque nos dois museus da Volkswagen.
Piancastelli morreu na tarde de Quinta Feira (18/6), após anos de grave enfermidade.
Fotos e texto: globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário